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Reflexões sobre o pensamento suicida e a psicologia existencial sartriana

Capítulo de livro publicado em: Suicídio e suas interfaces: o ardiloso emaranhado da autodestruição. Angerami, V. A. (Org.). Belo

Horizonte: Artesã Editora, 2019.


Recentemente, no consultório, passei por algumas situações que me fizeram pensar sobre a complexa questão do suicídio. O espírito de nosso tempo tem suscitado muita ansiedade e falta de perspectiva em inúmeras pessoas. Percebo, em minha clínica, nitidamente, os impactos de um país desanimado e de uma cidade cada vez mais violenta que colaboram para um clima de insegurança. Diante deste cenário, escutei recentemente uma pessoa que atendo dizer: “A vida eu já conheço… e não aguento mais… agora eu quero conhecer a morte”.

Essa forte sentença serve de inspiração para a presente discussão. Pensando sartrianamente, é claro que o contexto, a atmosfera, os arredores são importantes e colaboram para que essa pessoa diga tal frase. Porém, nosso filósofo nos ensina que não devemos parar por aí. O homem sartriano é pensado como um universal-singular (SARTRE, 1988), isso significa que toda investigação relativa ao humano – e esta é a tarefa da Psicologia – deve manter constantemente o foco em um vai e vem entre o indivíduo e o social, entre a subjetividade e a objetividade. Este é o método de Sartre, um movimento constante que circunda o objeto de pesquisa pelas “duas pontas”.

Acredito que quem já atendeu alguém com risco de suicídio se sentiu provocado a pensar seriamente a este respeito. O que leva uma pessoa a querer por fim à própria vida? Como compreender um ato tão drástico? Como que nós profissionais do cuidado devemos nos portar diante de tais situações? Qual o limite de nossa atuação e qual o nosso compromisso ético com a vida? Em fim, muitas e muitas questões importantes surgem quando estamos diante de alguém que parece desejar se matar. Angerami (2018) nos lembra que nossa condição de psicólogos é sermos sempre aprendizes e artesãos de uma arte que se inventa e reinventa a todo tempo, tanto para nós, quanto para os que nos procuram na clínica. E é neste caminho em aberto e cheio de possibilidades que desejo seguir em busca de pistas para construir um referencial sartriano a este respeito.

Inevitável lembrar das palavras inaugurais de Albert Camus em O Mito de Sísifo: “só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia” (2008; p.17). Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida… Camus fala da forte experiência que é reconhecer o divórcio que separa homem-mundo. Se eu fosse árvore entre árvores, minha vida teria um sentido, diz ele. Ou melhor, nem caberia perguntar por um sentido já que eu seria tragado pela floresta com todo o seu sentido de familiaridade e pertencimento (CAMUS, 2008). Mas a condição do homem é diferente. Sua relação com o mundo é marcada pelo divórcio, ou seja, pelo amargo sentimento de ser estrangeiro, de ser estranho, não pertencente ao mundo. Este é o absurdo existencial, este é o buraco pelo qual escorrega a pergunta: “Então, para que estou aqui?”.

Esbarramos, vez por outra, na absurdidade que marca nossa existência, nessa inquietante sensação de que estamos sempre na indeterminação. Isso faz parte da existência. E como psicólogos de orientação sartriana, sabemos, inclusive, que estes momentos carregam em si um potencial de ação e de transformação extremamente importantes. Em resumo, indagar pelo sentido da existência é parte da aventura de ser liberdade no mundo.

Porém, a difícil questão é quando essa “brecha”, quando essa pergunta aparece diante de alguém que está em sofrimento profundo. Quando a dor é tão forte que parece representar um impedimento ao retorno. Retorno ao cotidiano, aos projetos, aos outros. Retorno ao engajamento com a vida e a rica possibilidade existencial de projetar-se rumo aos fins. Indagar pelo sentido da vida é extremamente delicado para quem está em sofrimento profundo e parece não ver mais motivos para voltar a empurrar seu rochedo até o alto da montanha, tal como Sísifo[1] e sua saga inútil.

Pretendo estabelecer um diálogo entre estas importantes questões e o pensamento de Sartre. E mais relevante ainda, pretendo pensar na atitude do terapeuta de inspiração sartriana diante destes delicados momentos em seu trabalho. Não irei tratar de casos clínicos, mas sínteses de situações vividas por mim no consultório. Apresentarei, então, sínteses fictícias em seus conteúdos, mas reais em sua expressividade emocional, a fim de preservar a identidade de meus analisandos[2].

Primeiramente, acho importante pontuar que, seguindo uma lógica sartriana, não podemos tratar do suicídio com um olhar universalizante, ou não aprenderemos nada além de vãs hipostasias.  Ao chamar o homem de universal-singular, Sartre (1988) estabelece o foco de seu método e o centro de preocupação da sua pesquisa, a saber, o “entre”, entre o concreto e o abstrato, entre a biografia e o social, entre o indivíduo e a história, em resumo, entre o homem e o mundo. É a esse paradoxo que devemos voltar nossa atenção, uma vez que o singular só existe através da maneira pela qual cada um particulariza o universal e, ao mesmo tempo, o universal só existe através da maneira pela qual cada um universaliza singularmente sua vivência. Nas palavras do próprio Sartre (1988): “Afinal, um homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo de universal singular: totalizado e, por isso mesmo, universalizado por sua época, ele a retotaliza ao reproduzir-se nela como singularidade” (p.7).

Portanto, não podemos estabelecer pontos centrais como, por exemplo: depressão e suicídio, e transformar essas noções em “esqueletos de universalidade”, como sugere Sartre (1987a), ou seja, em conceitos genéricos e hipostasiados que, em conjunção, produziriam um terceiro termo ainda mais vazio e vago. Imagino que Sartre diria que no paralelo depressão – suicídio falta algo fundamental, a saber: O HOMEM. O homem e o modo como ele particulariza o que absorve de sua experiência universal.

A ação e a vida do homem que devemos estudar não podem reduzir-se a estas significações abstratas, a estas atitudes impessoais. É ele, ao contrário, que lhes dará força e vida pela maneira pela qual se projetará através delas. Convém, pois, voltar ao nosso objeto e estudar as suas declarações pessoais (Sartre, 1987a, p. 171).

Afirma ainda, no mesmo texto: “Valéry é um intelectual pequeno-buguês; quanto a isto, não há dúvida. Mas nem todo intelectual pequeno-burguês é Valéry” (SARTRE, 1987a, p.136). Com isso, Sartre chama atenção para as mediações necessárias na busca de apreensão do processo que produz o que a pessoa é, sem que a pressa em explicar Paul Valéry determine apriorismos universalizantes que “evaporem” com ele. Assim sendo, temos que fazer o mesmo esforço ao pensar o tema do suicídio. Nem todo deprimido é suicida, nem todo pensamento suicida leva ao suicídio, nem todo suicida está deprimido. Conclusões rápidas como essas devem ser sempre evitadas, ou melhor, devem sempre ser estranhadas. Devemos manter uma constante atenção crítica para não evaporarmos a experiência singular que se apresenta diante de nós com uma coloração única em clichês teóricos generalizantes.

Ouvi, recentemente, uma jovem me contar em voz baixa, postura contraída, que andava há tempos muito fechada, sem ver graça nas coisas, sem conseguir tocar seus projetos pessoais. Seu ato desesperado de pedir ajuda, era estar ali, diante de mim. Na sequencia de sua fala, no mesmo tom baixo e contraído, ela confessou já ter imaginado sua morte por mais de uma vez. Pensava em se jogar do alto do prédio em que morava. Respondi que compreendia o que ela queria dizer: estava há tempos envolvida em imensa tristeza, e que diante de tamanha dor, teria imaginado o suicídio como forma de cessar aquele sofrimento. Ela se sentiu acolhida pela minha fala e continuou dizendo: “Sim, isso mesmo”. Mas, ao mesmo tempo em que imaginava a sua morte, imaginava, também, o quanto faria seu esposo sofrer. Isso foi o que sempre a impediu de ir adiante.

Aqui cabe pontuar algo importante: essa moça não desejava a morte, aliás, a dor e o medo acompanhavam constantemente seus pensamentos suicidas. Desta forma, o ato suicida parece ser um desejo de sanar a sua dor e não um desejo de experimentar a morte. Mas, mesmo que possamos imaginar o suicídio como uma forma de sanar a dor, é pertinente notar como essa própria possibilidade é ela mesma carregada de dor e produtora de ainda mais dor.

Sartre nos dá pistas para pensarmos neste paradoxo. Esclarece em O Ser e o Nada (2001) que o suicídio seria um projeto rumo a UMA morte e não à MINHA morte. Isso porque, segundo ele, a morte nunca é minha possibilidade, ela é justamente um acontecimento que retira de mim TODA a possibilidade. O para-si é o ser que exige sempre um depois. Sendo o suicídio o último ato de uma vida ele retira todas as possibilidades, recusa a si mesmo o porvir, e logo, se mantem como indeterminado. Como bem resume Silva (2003): “minha morte não me realiza, como o acorde final realiza a melodia” (p. 154).

Assim sendo, pensar que o suicídio resolve o problema da existência é um pouco complicado quando se examina a fundo essa possibilidade, posto que, justamente, este ato me retira da existência e me “promete” uma resolução que escapa a toda lógica conhecida, a todo o referencial humano, me colocando de encontro a uma absurdidade impensável. Essa reticência suspensa no desconhecido é por si só bastante angustiante. Ou seja, não é fácil ESCOLHER se matar…

Transformar este possível em meu possível é ter que lidar com a responsabilidade desta escolha. É aí que surge a angustia, isto é, para Sartre, (2001) a apreensão reflexiva da condição de liberdade. Significa que toda escolha existencial envolve a apreensão do sentimento de que nada, nem ninguém respondem por mim ou junto a mim. Escolho sozinho, sem garantias, sem proteção, no total desemparo.

Sartre (2001) afirma, ainda, que os motivos não são, em si, causas para as nossas ações. Se todo mundo que tem motivos para se matar, realmente se matasse por causa de seus motivos, teríamos um número ainda mais alarmante. Sartre nos ensina que os motivos são sempre ineficazes e insuficientes. Vejamos melhor: os motivos só existem em concomitância com a intencionalidade dos atos. Os motivos não são as causas dos atos. Silva (2003) esclarece a diferença entre causa determinante e motivo de um ato, dizendo o seguinte: “a causa é exterior ao efeito, e o processo se dá numa trajetória temporal linear antes-depois; o motivo aparece na constituição do ato tanto quanto como o seu início quanto como seu fim” (p.137). Isso é, devemos encontrar o motivo do ato na realização do ato. O motivo não existe ANTES, o motivo se constitui NO ato. E o que há antes do ato? Nada existe antes do ato, ou melhor: é a liberdade que está na origem absoluta do ato. Para Sartre (2001), não há nada antes dela.

Neste ponto, retomo o significativo exemplo de O Ser e o Nada de alguém que anda a beira de um precipício. O precipício me aparece como algo a ser evitado, presto atenção no caminho, nas pedras a minha frente, na passada segura que preciso dar. Mas todas essas relações são externas, me geram medo, e me fazem sentir como coisa entre coisas. De repente, visito a possibilidade de me jogar no precipício. Cito a famosa passagem que diz: “a vertigem é angustia na medida em que tenho medo não de cair no precipício, mas de me jogar nele” (SARTRE, 2001. p.73).

Angustiar-se diante de si é desconfiar das próprias reações. Angustiar-se é perceber que nada me impede de me jogar no precipício, tanto quanto nada me impede de continuar caminhando seguro. O que desejo marcar é a ideia de que o possível suicida, tanto quanto todos os meus outros possíveis possíveis, é assombrado pela angustia de liberdade, pela angustia que me faz responsável por aquilo que fazem de mim. E mesmo que o ato suicida venha lá, na ponta, extinguir essa angustia, precisarei, antes disso, encarar o peso da liberdade de que só eu posso realizar este ato.

Vou emergindo sozinho, e, na angústia frente ao projeto único e inicial que constitui meu ser, todas as barreiras, todos os parapeitos desabam, nadificados pela consciência de minha liberdade: não tenho nem posso ter qualquer valor a recorrer contra o fato de que sou eu quem mantém os valores no ser; nada pode me proteger de mim mesmo; separado do mundo e de minha essência por esse nada que sou, tenho que realizar o sentido do mundo e de minha essência: eu decido, sozinho, injustificável e sem desculpas (SARTRE, 2001, p.84)

Este ponto, a meu ver, é crucial na atuação do psicólogo. A pessoa que busca terapia ou está em terapia no momento em que visita a si mesma lá embaixo do precipício está, de algum modo, no impasse da angustia. Essa pessoa que pede ajuda pelo próprio ato de estar presente em um espaço clínico, pede ao terapeuta que o acompanhe a beira do precipício.

Como sugere Sartre (2001), a indecisão clama por decisão. Se estou aflito na indecisão a beira de um precipício e, de algum modo, compartilho isso com um outro, talvez, este outro me ajude a retomar meu caminho em segurança. Nisto consiste o poder terapêutico da fala. Complicados são os casos das pessoas que vivem esse conflito à beira do precipício na solidão. Mas quando temos a possibilidade de compartilhar a dor à beira do precipício com nossos analisandos, temos aí um importante momento.

Penso que Sartre e sua filosofia do engajamento nos convidam a atuar de forma comprometida com a vida do outro. “Vive-se, morre-se, não se sabe quem vive ou quem morre; uma hora antes da morte, ainda se está vivo” (SARTRE, 2000, p.142). Sendo assim, devemos agarrar este fio de vida e nos fazer outro para nossos analisandos, dar-lhes chão, esteio, chamá-los a vida. Como muito bem colocou Luciana Palermo (2015) em sua monografia sobre o mesmo tema, o psicólogo sartriano deve apostar na escolha de viver.

Outro dia, já ao final de uma sessão, vi um rapaz que atendo há tempos atormentado, com o olhar muito abalado, dizendo não estar conseguindo mais se manter vivo. Me emocionei e pedi que, por favor, nos desse mais uma chance. Já tínhamos passado por algumas tormentas juntos. Pedi a chance de passarmos por mais uma… Insisti que saísse do meu consultório e cumprisse o combinado de ir diretamente ao encontro de sua mãe, que cuidaria dele. Ele me olhou e percebi que minha emoção o afetou. Não que eu quisesse isso ou que tivesse programado agir assim como uma estratégia. Apenas tinha sido levada pela força da situação. Engajada com sua história de vida, eu não tinha outra resposta para dar além daquele pedido emocionado de tentarmos mais uma vez atravessar a tempestade. Ele me respondeu: “Eu só vou porque você está me pedindo”.

Analisando a situação, considero a força do olhar, a força da condição de se sentir visto por um outro, como o cerne da questão. Alguém que me olha e dá contorno a vaga e vazia existência, alguém que me chama a cuidar de mim.

O outro é indispensável à minha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento que tenho de mim mesmo. Nessas condições, a descoberta da minha intimidade desvenda-me, simultaneamente, a existência do outro como uma liberdade colocada na minha frente […] Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos de intersubjetividade e é nesse mundo que o homem decide o que ele é e o que são os outros (SARTRE, 1987b, p.16).

Como assinala Souza (2009) “no fato mesmo de o outro me fazer existir ao mesmo tempo como ser-objeto e liberdade existente, já há um certo enriquecimento do mundo e de mim mesma” (p. 353). Isto indica que o outro possui, além de uma faceta conflituosa, outra, igualmente, necessária à nossa existência, uma vez que a própria possibilidade de estabelecermos uma compreensão sobre nós mesmos deriva dele. Ser-visto pelo outro se desvela, assim, como uma relação difícil, porém indispensável, pois somente estamos em condição de estabelecer uma apreensão objetiva sobre nós, na medida em que esse tipo de autoconhecimento advém do outro. Se o outro é fundamental para a nossa autodescoberta, mais ainda, o outro terapeuta, que nos vê de perto, em nossa nudez, é capaz de possibilitar reveladoras perspectivas.

O outro-terapeuta representa o esforço de um olhar que não quer ser Medusa, isto é, que não quer petrificar, que não quer determinar. Mas que quer, sim, se colocar ao lado, dando suporte, ou seja, ajudando a pessoa a suportar o confronto com sua angustia de liberdade.

O olhar do outro é para Sartre (2001) uma experiência vivida, encarnada, e não uma apreensão pensada. Acredito que meu olhar pedindo uma chance a mais para vida daquele rapaz o fez recuar de seu desejo de morrer, posto que através do fenômeno de ser-visto ele pode VIVER um sentido novo de si doado pela minha emoção.

Atravessamos mais uma…

Esse mesmo rapaz, certa vez se embriagou e se cortou com uma gilete. Porém, numa corrente de mensagens de celular, alguns amigos preocupados conseguiram se mobilizar, arrombaram a porta de seu apartamento e o levaram, prontamente, ao hospital.

Depois de recuperado fisicamente, ele voltou as nossas consultas e disse: preciso falar sobre o dia 27 de dezembro, um sábado de sol, o dia em que tentei me matar… Ele tinha clara consciência de que precisava falar disso, compartilhar sua história para visualizar novas saídas, bem como para, talvez, ajudar outras pessoas que estivessem passando por uma dor semelhante.

Esse rapaz desceu a montanha, e assim como Sísifo, foi mais uma vez buscar seu rochedo. Temos a certeza de que a pedra voltará a rolar, uma vez que, pensando sartrianamente, toda aventura possível da liberdade humana tende ao fracasso, pois não alcança jamais o sossego que pretende. Porém, em seu processo atual de novamente se esforçar para carregar seu rochedo até o alto da montanha, considero fundamental que ele desenvolva uma sensação de engajamento na aventura que é produzir seu rastro no mundo.

Não estamos no terreno das utopias ou das falsas promessas. Estamos falando de entender suas dores e dificuldades, de saber que momentos de tempestade voltarão a ocorrer. A diferença essencial estará no engajamento que ele conseguir desenvolver em seus projetos.

Retomo as belas palavras de Camus:

Deixo Sísifo na base da montanha! As pessoas sempre reencontram seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e ergue as rochas […] esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão de pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz (CAMUS, 2008, p.141).

Ter o seu rochedo em suas mãos e se engajar na luta por elevá-lo. Esta luta basta para encher o coração de um homem. Sim, essa forte imagem encarna bem, a meu ver, o sentido do trabalho clínico. Se engajar com sua luta e se encher dela, mesmo que seja para sempre recomeçar. Essa talvez seja a grande inspiração que podemos fornecer aos nossos analisandos. E quando a pedra rolar… Posso descer tendo consciência de que o rochedo me pertence e tê-lo nas mãos é empoderar-se da existência.

 

Referências

ANGERAMI, V. A. Atitudes do psicoterapeuta diante de casos de suicídio. In. Sobre o suicídio: a psicoterapia diante da autodestruição. ANGERAMI, V. A. (Org). Belo Horizonte: Artesã, 2018.

CAMUS, A. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2008.

PALERMO, L. Uma aposta na escolha de viver: reflexões sartrianas sobre o suicídio e a clínica psicológica. Monografia de conclusão de curso. IFEN-RJ. Rio de Janeiro, 2015.

SARTRE, J-P. Questões de Método. In. Os Pensadores. Nova Cultura: São Paulo, 1987a.

SARTRE, J-P. O Existencialismo é um humanismo. In. Os Pensadores. Nova Cultura: São Paulo, 1987b.

SARTRE, J-P. L´idiot de la famille: Gustave Flaubert de 1821 à 1857. Paris: Gallimard, 1988.

SARTRE, J-P. As palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

SARTRE, J-P. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 2001.

SILVA, F. L. Ética e Literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo: Unesp, 2003.

SOUZA, T. Em busca da autenticidade prometida: uma leitura de Cadernos para uma Moral. In: M. C. Carneiro; H. S. Gentil. (Eds.). Filosofia Francesa Contemporânea. 1ed. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, v. 1, p. 348-357, 2009.

[1] O mito de Sísifo utilizado por Camus (2008) no livro de mesmo título, diz respeito a um homem que revelou os segredos dos deuses. Como castigo, foi condenado, perpetuamente, a um trabalho inútil e sem esperança. Sendo assim, Sísifo precisava empurrar um rochedo até o alto de uma montanha. E toda vez que ele alcançava o topo, a pedra rolava e ele tinha que recomeçar.

[2] O uso do termo analisando se refere à metodologia proposta por Sartre (2001) de psicanálise existencial.

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